1. ABORTO (ABORTAMENTO)
Alguns autores preferem a terminologia abortamento, porque aborto significa o resultado ao passo que abortamento caracterizaria a conduta.
O crime de aborto encontra previsão no CP em três dispositivos: aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento (art. 124 do CP), aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125 do CP), aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (art. 126 do CP).
1.1. TEORIAS SOBRE O CONCURSO DE PESSOAS
I) TEORIA PLURALÍSTICA – De acordo com essa teoria existem tantos crimes quantos forem os co-autores e partícipes.
II) TEORIA DUALÍSTICA OU DUALISTA – De acordo com essa teoria haveria dois crimes. Haveria um crime para os co-autores e um crime para os partícipes.
III) TEORIA MONÍSTICA OU MONISTA – De acordo com essa teoria independente do número de co-autores e partícipes, o delito permanece único e indivisível.
Pela leitura do art. 29 do CP, verifica-se que o legislador adotou a teoria monística ou monista. O que não significa que a pena de todos serão iguais, ou seja, a pena de cada um vai variar na medida de sua culpabilidade (juízo de reprovação). Alguns autores, diante da existência de exceções a teoria monista, afirmam que na verdade haveria uma teoria monística temperada ou moderada.
EXCEÇÕES A TEORIA MONISTA: a) art. 124 e art.126, ambos do CP; b) art. 317 (corrupção passiva) e art. 333 (corrupção ativa), ambos do CP; c) art. 343 (corrupção ativa de testemunha) e art. 342, § 1º (falso testemunho mediante suborno); d) art. 235, caput e art. 235, § 1º (bigamia); e) art. 33 (traficante), art. 36 (financiador do tráfico), ambos da Lei 11.343/06; art. 33 e art. 37 (informante), ambos da Lei 11.343/06.
1.2. ANÁLISE DO CRIME DE ABORTO
CRIME COMUM – Não exige qualidade especial do agente; crime que pode ser praticado por qualquer pessoa. Este crime admite tanto co-autoria quanto participação.
CRIME PRÓPRIO – Exige uma qualidade especial do agente (ex. art. 312 do CP – Peculato). Este crime admite tanto co-autoria quanto participação.
CRIME DE MÃO-PRÓPRIA – Também exige uma qualidade especial do agente. Como o próprio nome já sugere, o crime de mão-própria é aquele delito cuja execução não pode ser delegada. Este crime não admite co-autoria, porém nada impede a participação.
O crime do art. 124 do CP é exemplo de um crime de mão-própria, enquanto que os outros delitos de abortamento são exemplos de crimes comuns.
É possível concurso de pessoas no art. 124 do CP? – admite na modalidade participação. Perfeitamente possível o concurso de pessoas, porém somente na modalidade participação.
CONCEITO DE ABORTO – é a interrupção voluntária da gravidez com a morte do produto da concepção dentro ou fora do útero.
ABORTO DE GÊMEOS – responde o agente por dois crimes de aborto em concurso formal impróprio.
PRÁTICA DE ESPORTE RADICAIS – as três modalidade de aborto somente são punidas a título doloso, portanto, em conduta culposa não há falar em crime de aborto.
1.3. FIGURAS MAJORADAS DE ABORTO (ART. 127)
O art. 127 do CP somente se aplica aos arts. 125 e 126 do CP. Os dois resultados agravadores são: a) lesão corporal grave; b) morte. Esses dois resultados somente podem ser atribuídos ao agente a título de culpa (CRIME PRETERDOLOSO).
O médico responsável pela prática do aborto não consegue interromper a gravidez, mas a mulher acaba falecendo – nesse exemplo o dolo do agente era o aborto, ficando este na modalidade tentada. Porém, o resultado morte da gestante acaba ocorrendo a título de culpa – 1ª corrente: o médico responde pelo crime do art. 126 do CP com a causa de aumento de pena do art. 127, última parte, do CP em sua modalidade consumada; 2ª corrente: o médico responde pelo crime do art. 126 c/c o art. 127, última parte do CP na modalidade tentada.
Seria possível a tentativa em crime preterdoloso? – não se admite tentativa em crime preterdoloso, quando o que ficar frustrado for o resultado, atribuído ao agente a título de culpa. Porém, quando o que ficar frustrado for a conduta do agente, praticada a título doloso, será possível tentativa em crime preterdoloso.
1.4. EXCLUDENTES DA ILICITUDE
I) ABORTO NECESSÁRIO (ABORTO TERAPÊUTICO) – Art. 128, inciso I, do CP – acaba funcionando como uma espécie de estado de necessidade. Requisitos: a) risco de morte da gestante; b) inexistência de outro meio para salvá-la; c) aborto praticado por médico. E se tiver sido praticado por uma enfermeira? – a doutrina afirma que a enfermeira não estará acobertada por esta excludente, e sim pela excludente genérica do art. 24 do CP (estado de necessidade). Necessita de autorização judicial? – não é necessária a autorização judicial. Necessita de autorização da vítima? – não é necessária a autorização da gestante (o médico acaba agindo no estrito cumprimento do dever legal).
II) ABORTO SENTIMENTAL (ABORTO HUMANITÁRIO OU ÉTICO) – Art. 128, inciso II, do CP – requisitos: a) deve ser praticado por médico; b) depende do consentimento da gestante ou de seu representante legal; c) a gravidez deve ser resultante de estupro (e de acordo com a doutrina majoritária também aplicável a gravidez resultante de atentado violento ao pudor – analogia in bonam partem). Não depende de autorização judicial. Para a doutrina deve o médico, dentro do possível, certificar-se da ocorrência do crime sexual.
1.5. ABORTO EUGÊNICO OU EUGENÉSICO
Exemplo mais comum deste tipo de aborto, é a do aborto anencefálico (sem atividade cerebral). De acordo com a leitura do CP, verifica-se que ele não faz parte do rol dos abortos permitidos no art. 128 do CP. Apesar de não estar previsto no rol, há projeto de lei criando essa permissão de aborto.
Para a doutrina o fato seria típico e ilícito, mas não seria culpável em virtude da presença de uma causa excludente da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa). Se a culpabilidade nesse caso é de juízo de reprovação; somente se pode estabelecer um juízo de reprovação contra alguém, se no caso concreto poderia se exigir dessa pessoa comportamento diverso (conferir ADPF 54).
1.6. ABORTO MISERÁVEL (ABORTO ECONÔMICO-SOCIAL)
Se dá nos casos de incapacidade financeira. Esse aborto configura crime, não havendo falar em eventual excludente da ilicitude ou excludente da culpabilidade.
2. LESÃO CORPORAL (ART. 129 DO CP)
2.1. BEM JURÍDICO TUTELADO
É a integridade corporal ou saúde de outrem. A integridade corporal é um bem disponível ou indisponível? – a integridade corporal é um bem disponível, desde que a lesão corporal seja de natureza leve.
CONSENTIMENTO DO OFENDIDO – natureza jurídica: em regra, o consentimento funciona como uma causa supralegal excludente da ilicitude. Porém, quando o dissentimento (prática do crime ter sido contra a vontade do ofendido) estiver inserido no tipo penal, afastará a tipicidade. No crime de lesão corporal, o consentimento do ofendido afasta a ilicitude. Requisitos: a) o consentimento deve ser prévio ou concomitante a ação; b) o consentimento deve ser dado por pessoa capaz; c) o consentimento deve recair sobre bem disponível.
2.2. AUTOLESÃO
A autolesão, da mesma forma que o suicídio, é uma figura atípica. Quando se pratica uma autolesão para obter uma indenização de um seguro, configura o crime de estelionato (art. 171, § 2º, inciso V, do CP). O art. 184 do CPM prevê um crime de autolesão ou simulação de incapacidade física para inabilitação ao serviço militar.
2.3. CIRÚRGIA TRANSEXUAL
Neste caso, alguns doutrinadores afirmam que os médicos não agiriam com dolo; outros afrmam que estes médicos agem no estrito cumprimento do dever legal; há ainda doutrinadores, que, por meio da teoria da imputação objetivo criam risco permitido e tolerado pela sociedade, afirma ser essa conduta seria atípica (mesmo raciocínio aplicado nas lesões desportivas – exercício regular do direito).
2.4. ANÁLISE DO TIPO OBJETIVO
Quando alguém pratica lesão corporal com o fim de ofender sua dignidade ou decoro – ocorre a prática do crime de injúria real.
No crime de lesão corporal não há necessidade de dor e também não há necessidade de efusão de sangue.
2.5. TENTATIVA
Deve-se sempre verificar na análise de um crime admitir tentativa, se este é plurissubsistente. O art. 129 do CP é um crime plurissubsistente, admitindo, portanto, a tentativa. TENTATIVA DE VITRIOLAGEM – é o que acontece, por exemplo, quando uma prostituta joga ácido contra o rosto de uma pessoa (tentativa de lesão corporal grave).
2.6. LESÃO CORPORAL LEVE
Previsto no art. 129, caput, do CP e será configurada por exclusão, ou seja, quando a lesão corporal não for grave nem gravíssima ela será considerada leve. Por conta do art. 88 da Lei 9.099/95, trata-se de um crime de ação penal pública condicionada à representação. Lesão corporal praticada contra a esposa – há prática do crime de violência doméstica e familiar contra a mulher – nesse caso, de acordo com o art. 41 da Lei 11.340/06, a estes crimes, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95 – logo, aqui teremos um crime de ação penal pública incondicionada (STJ já possui decisões neste sentido).
2.7. LESÃO CORPORAL GRAVE E GRAVÍSSIMA
Previsto no art. 129, § 1º, do CP.
CRIME QUALIFICADO PELO RESULTADO – o resultado pode ser produzido tanto a título doloso quanto a título culposo.
CRIME PRETERDOLOSO – se tem dolo na conduta e culpa no resultado (art. 129, § 3º, do CP).
Art. 129, inciso I – “incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias” – dolo ou culpa (crime qualificado pelo resultado).
Art. 129, inciso II – “perigo de vida” – culpa (crime preterdoloso).
Art. 129, inciso III – “debilidade permanente de membro, sentido ou função” – dolo ou culpa (crime qualificado pelo resultado).
Art. 129, inciso IV – “aceleração de parto” – culpa (crime preterdoloso). Se fosse a título doloso caracterizaria o crime de aborto.
INCAPACIDADE PARA AS OCUPAÇÕES HABITUAIS, POR MAIS DE TRINTA DIAS – Atividades ilícitas não estão abrangidas por este inciso. Porém, no caso da prostituta, apesar de ser uma conduta imoral, estará configurado o delito. Uma criança pode ser vítima deste delito? – sim, porque o dispositivo fala em ocupações habituais e não ocupações laborativas.
Nesse inciso é importante a realização de exame complementar, que é um exame de diagnóstico e não de prognóstico. O prazo de 30 dias é um prazo penal (porque é um prazo para configuração de um crime) – entendimento que prevalece. Se por acaso não for feito o exame complementar? – a ausência desse exame complementar pode ser suprida por prova testemunhal.
PERIGO DE VIDA – Caracteriza um crime preterdoloso, porque se porventura o resultado de perigo de vida for praticado a título doloso não caracterizaria o crime de lesão corporal grave e sim o crime de tentativa de homicídio.
TRANSMISSÃO DOLOSA DO VÍRUS HIV – lesão corporal gravíssima (enfermidade incurável) não é a melhor opção para caracterizar o crime, portanto, configura o crime de tentativa de homicídio (por conta da letalidade do vírus). Transmissão “culposa” do vírus HIV – quando o agente e a vítima tinham ciência da existência do vírus, e mesmo tomando precauções o vírus é transmitido – Por mais que tenha ocorrida a transmissão do vírus HIV, a conduta do agente produziu um risco permitido ou tolerado ao agente não pode ser imputado o resultado lesivo (TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA).
INCAPACIDADE PERMANENTE PARA O TRABALHO – prevalece na doutrina que a lesão corporal gravíssima ela pressupõe a incapacidade permanente para toda e qualquer atividade laborativa.
LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE – é quando o dolo é de provar a lesão, mas acaba culposamente acontecendo o resultado morte.
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