sexta-feira, 23 de abril de 2010

DIREITO ADMINISTRATIVO - INTENSIVO (AULA 1)


1ª AULA

1.            NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Direito é o conjunto de regras impostas coativamente pelo Estado que vão regular a vida em sociedade, permitindo a coexistência pacífica dos seres em sociedade. Direito posto é o direito vigente em determinado momento histórico.
Direito público é aquele que se preocupa com a atuação do Estado na satisfação do interesse público. Regra de ordem pública não é sinônimo de direito público, sendo regras inafastáveis que não podem ser modificada ou afastada ou alterada pela vontade das partes. No entanto, uma regra de direito público é uma regra de ordem pública que não pode ser modificada pela vontade das partes. A ordem pública é mais ampla, pois existem regras de ordem pública no direito privado. Direito privado tem como base os interesses dos particulares (privados). Logo, direito administrativo é um ramo do direito público, pois este busca a satisfação do interesse público (a atuação do Estado). O direito administrativo é um ramo do direito público interno (relações dentro do território).
Obs: todo regra de direito público é norma de ordem pública, mas a recíproca não é verdadeira.

2.            CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO

1ª) Teoria legalista (teoria exegética) = O direito administrativo é o estudo de leis. Esta teoria não foi reconhecida pelo Brasil (ausência do estudo dos princípios); 2ª) Teoria do serviço público (também chamada de escola do serviço público) = O direito administrativo tem como objeto o serviço público (era toda a atuação do Estado). Essa teoria não foi aceita por ter ignorado os demais ramos do direito público; 3ª) Critério do Poder Executivo = o direito administrativo somente se preocupa com a atuação do Poder Executivo. Essa teoria também na foi aceita, pois se limita apenas ao Poder Executivo, uma vez que o Legislativo e Judiciário também praticam atividade administrativa; 4ª) Critério das relações jurídicas = O direito administrativo se preocupa com as relações jurídicas do Estado. Esse critério também não foi adotado por ser muita ampla; 5ª) Critério teleológico = Foi acolhido pela doutrina brasileira, sendo o conjunto de regras e princípios (mas a doutrina achou insuficiente para conceituar o direito administrativo, sendo necessário complementar); 6ª) Critério residual ou critério negativo = Definição por exclusão: o que não for função legislativa, o que não for função jurisdicional, será do âmbito da atividade administrativa (sendo objeto de estudo do Direito Administrativo) – também foi aceito pela doutrina brasileira, afirmando que também é insuficiente, necessitando de mais elementos para conceituar o direito administrativo; 7ª) Critério de distinção da atividade jurídica com a atividade social = O direito administrativo se preocupa apenas com a atividade jurídica do Estado, não possuindo ligação com a atividade social do Estado (políticas públicas, por exemplo). Também é insuficiente para conceituar o direito administrativo; 8ª) Critério da Administração Pública (Hely Lopes Meireles) = O direito administrativo significa um conjunto harmônico de regras e princípios (critério teleológico – regime jurídico administrativo) que regem os órgãos, agentes públicos e a atividade administrativa, realizando de forma direta, concreta  e imediata os fins desejados pelo Estado (quem define os fins do Estado é o Direito Constitucional).
FUNÇÕES DO ESTADO: I) DIRETA – significa independe de provocação. É diferente da indireta, que é realizada pela função jurisdicional do Estado; II) CONCRETA – Agir de forma concreta significa não agir de forma abstrata (afasta a função legislativa do Estado). A forma concreta tem destinatário determinado e possui efeitos concretos;  III) IMEDIATA – é diferente da função mediata. Imediata é a função jurídica do Estado, enquanto a mediata é a função social do Estado (ou seja, o direito administrativo não se volta à escolha da política pública ou política governamental e sim a sua execução).
Obs¹: Cuidado com os conceitos que ligam a palavra poder. Poder significa prerrogativa, ou seja, instrumento para se buscar o interesse público e não arbitrariedade.
Obs²: Conjunto de regras e princípios – significa o regime jurídico administrativo.

3.            FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

I)              LEI (em sentido amplo – toda e qualquer espécie normativa) – o nosso ordenamento está numa estrutura escalonada ou hierarquizada, possuindo no topo da pirâmide as normas constitucionais. As normas inferiores devem ser compatíveis com as superiores e todas elas guardam compatibilidade com a Constituição Federal (relação de compatibilidade vertical – nomenclatura adotada pelo STF).
II)           DOUTRINA – significa o resultado do trabalho dos estudiosos. A falta de codificação gera bastante divergência entre a doutrina.
III)         JURISPRUDÊNCIA – julgamentos reiterados no mesmo sentido. Súmula é uma jurisprudência consolidada. A súmula como regra é utilizada como mecanismo de orientação. A partir da EC/45 surgem as súmulas vinculantes (significa a última palavra sobre o assunto). O procedimento de súmula vinculante encontra-se previsto na Lei 11.417.
IV)        COSTUMES – prática habitual acreditando ser ela obrigatória. O direito consuetudinário não cria e nem exime obrigação.
V)           PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO – regras que estão no alicerce do direito administrativo e do direito de uma forma geral (vetores normativos). Eles podem estar expressos ou implícitos no nosso ordenamento. É vedado o enriquecimento sem causa no Brasil e a ninguém é permitido causar dano a outrem, são alguns destes princípios gerais do direito.

4.            SISTEMAS ADMINISTRATIVOS OU MECANISMOS DE CONTROLE

I)              CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO – quem vai controlar (revisar) os atos administrativos é a própria administração. Também é chamado de sistema francês. Os países que adotam esse sistema afirmam que o Poder Judiciário pode atuar de forma excepcional. O Poder Judiciário vai decidir quando a atividade for pública de caráter privado; ações ligadas à capacidade e ao estado das pessoas; propriedade privada; repressão penal (rol exemplificativo).
II)           JURISDIÇÃO ÚNICA (também chamado de sistema inglês) – quem dá a última palavra é o Poder Judiciário. A administração vai decidir e rever os atos, mas esse ato é passível de ser revista pelo Poder Judiciário (controle pelo Poder Judiciário).
Obs¹: é possível a criação de um sistema misto de controle? Não é possível, porque a mistura é natural dos dois regimes. O que vai diferenciar os dois sistemas é a predominância.
Obs²: A EC 7/1977 introduziu alguns institutos de contencioso administrativo, que nunca saíram do papel.

5.            DISTINÇÃO ENTRE ESTADO, GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO

ESTADO é a pessoa jurídica de direito público (tem personalidade jurídica, possuindo aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações). TEORIA DA DUPLA PERSONALIDADE DO ESTADO – O Estado aparecia com duas faces: ora com personalidade de direito público, ora com personalidade de direito privado – esta teoria está superada. O Estado é composto pelos seguintes elementos: território, povo e governo.
GOVERNO é um elemento do Estado. Significa a direção (comando). Para o Governo ser independente o Estado tem que ser soberano (independência na ordem internacional e supremacia na ordem interna).
Obs: ESTADO DE DIREITO é aquele politicamente organizado e que obedece às suas próprias leis.
FUNÇÕES DO ESTADO – função significa atividade exercida em nome e interesse de outrem. Função pública é atividade exercida em nome e interesse do povo. Os poderes exercem funções típicas e atípicas. Função típica é a função precípua pela qual o Poder foi criado. A função atípica é a função secundária. A função típica do Poder Legislativo é abstrata, geral (erga omnes), tem força de inovar a ordem jurídica e também possui a função de fiscalização. A função típica do Poder Judiciária é concreta (excepcionalmente é abstrata como no caso de controle de constitucionalidade) – não inova o ordenamento jurídico, indireta (depende de provocação), produz intangibilidade jurídica (significa impossibilidade de mudança – coisa julgada). A função típica do Poder Executivo é concreta, direta, não inova a ordem jurídica e nem produz intangibilidade jurídica (ela é revisível).
Obs: coisa julgada administrativa significa que não há mais possibilidade de recursos na via administrativa (impossibilidade de mudança na via administrativa), o que não impede a revisão pelo Poder Judiciário.
FUNÇÃO DE GOVERNO OU FUNÇÃO POLÍTICA DE ESTADO (Celso Antonio Bandeira de Mello) – seria uma quarta função do Estado. Representa as funções que se sobrepõem aos administrados que não se confundem com a atividade administrativa. São decisões de cunho político (ex. declarar guerra, estado de sítio, celebrar a paz etc.).
ADMINISTRAÇÃO – Significa a máquina administrativa (estrutura administrativa que compõem a pessoa jurídica – Estado) A doutrina vai além desse conceito, estabelecendo dois critérios: I) CRITÉRIO FORMAL é denominado por alguns autores como critério ORGÂNICO OU SUBJETIVO – está relacionado aos bens, agentes e órgãos que compõem a atividade administrativa (é o instrumento que dispõe o Estado para por em prática para por em prática as decisões políticas do governo); II) CRITÉRIO MATERIAL – é também chamado de critério OBJETIVO – está relacionado com a atividade administrativa propriamente dita (atividade exercida nos limites da lei e das normas técnicas) – Administração: se aparecer com letra maiúscula é a maquina administrativa; ao passo que com letra minúscula é atividade administrativa.
Administração é o instrumental de que dispõe o Estado (conceito formal) para por em prática às opções políticas do governo. Enquanto governo constitui atividade política de índole discricionária, a administração implica em atividade exercida nos limites da lei e da norma técnica (conceito material).

6.            REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO

É um conjunto de princípios que guardam entre si uma correlação lógica. Sempre num caso prático irá se encontrar mais de um princípio sendo aplicado a situação concreta.
CRITÉRIO DE PONDERAÇÃO DE INTERESSES (entendimento do STJ) – nenhum princípio vai ser aplicado de forma absoluta, diante de um caso concreto deverá analisar qual princípio irá prevalecer. O princípio que vem ganhando mais espaço em nossa jurisprudência é o princípio da segurança jurídica, que vem afastando, inclusive, o princípio da legalidade.
PEDRAS DE TOQUE (Celso Antonio Bandeira de Mello) – significa os dois princípios que consolidam (estão na base, alicerce) o direito administrativo: a) supremacia do interesse público; b) indisponibilidade do interesse público.

6.1.      SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

Significa sobreposição do interesse público em face do interesse individual (é o interesse da coletividade e não o interesse do administrador ou do Estado – o interesse da coletividade nem sempre é o interesse do administrador). É um princípio implícito, estando inserto em todo o direito administrativo (ex. cláusulas exorbitantes, exercício de poder de polícia). Ele é indispensável (pressuposto) para a manutenção da vida em sociedade a fim de que haja harmonia. Em nome da supremacia do interesse público, a administração pode “quase tudo” – significa que ela possui prerrogativas, privilégios. Porém, a administração pública não pode abrir mão do interesse público (indisponibilidade do interesse público).
Obs¹: Há uma doutrina nova, afirmando que através do princípio da supremacia pública o administrador pratica abusos, arbitrariedades, motivos pelo quais seus defensores afirmam que este princípio deveria ser extraído da base do direito administrativo (Marçal Justen Filho) – a doutrina majoritária afirma que não basta apagar este princípio e sim aplicá-lo de forma verdadeira, buscando sempre o interesse público, logo a teoria da desconstituição do princípio da supremacia do interesse público é corrente minoritária.
Obs²: Interesse público é o somátorio dos interesses individuais dos seres em sociedade, desde que representem o interesse da maioria. Interesse público primário é o que efetivamente quer o povo; interesse público secundário é a vontade que quer o Estado enquanto pessoa jurídica. Os interesses primário e secundário deveriam ser compatíveis. Porém, se existir conflito prevalece o interesse primário.

6.2.      INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO

Significa que o administrador não pode dispor do interesse público. O administrador exerce função pública (atividade exercida em nome e em interesse do povo). O administrador tem obrigação de defender o interesse público (significa encargo, munus púbico). Significa também que o administrador não pode criar entraves (obstáculos) para o futuro administrador. Esse princípio está implícito em nosso ordenamento jurídico.

6.3.      PRINCÍPIOS MÍNIMOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Estão insertos no art. 37, caput, da CF, são eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A administração pública de qualquer dos poderes e de qualquer dos entes federativos, seja direta ou indireta, estão submetidos a estes princípios.

6.3.1.            PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

A Constituição repete em diversos dispositivos o princípio da legalidade (arts. 5º, 37, 150 da CF) – A constituição foi bastante redundante. O princípio da legalidade é pressuposto para o Estado de Direito (Estado politicamente organizado e que obedece as suas próprias leis).
O princípio da legalidade tem dois enfoques diferentes: I) Para o direito privado, significa que o particular pode tudo, salvo o que tiver vedado (critério de não contradição à lei); II) Para o direito público, o administrador somente pode fazer o que tiver autorizado pela lei (critério de subordinação à lei).
Obs: Princípio da legalidade e princípio da reserva de lei – Reserva de lei significa separar uma matéria à determinada espécie normativa (portanto, não é sinônimo de princípio da legalidade) – é bem mais restrito que o princípio da legalidade.
“Administrar é aplicar a lei de ofício” (Seabra Fagundes) – está se referindo ao princípio da legalidade – administrar é aplicar somente o que está autorizado na lei.
O princípio da legalidade vem sendo utilizado em sentido amplo tanto na aplicação da lei como na aplicação de princípios, especialmente os constitucionais. Se há um controle de um ato administrativo por ofensa a um princípio constitucional, isto é controle de legalidade (visão ampla do princípio da legalidade). O princípio da legalidade é de fundamental importância, porque está na base do conceito do Estado de Direito (Estado obedece as suas próprias leis).

6.3.2.            PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE

Licitação e concurso público são dois institutos expressos na Constituição, que representam exemplos do princípio da impessoalidade.
Impessoalidade significa ausência de subjetividade (o administrador não pode buscar interesses pessoais). Os atos administrativos praticados pelos agentes são impessoais, por isso, em regra, a responsabilidade civil é da pessoa jurídica (Estado), cabendo a este a ação regresso contra quem praticou o ato de forma indevida. Conceito de impessoalidade (Celso Antonio Bandeira de Mello) – tratar a todos sem discriminações benéficas ou detrimentosas, sem favoritismos e sem perseguições, simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atividade administrativa.
Por Jorge Pessoa

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